TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.093 - Disponibilização: terça-feira, 10 de maio de 2022
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acerca da oitiva da vítima, denotando o seu desinteresse, haja vista ter formado sua convicção apenas com os elementos informativos colhidos na fase investigatória. Sucede que, consoante já consolidado na jurisprudência, tanto do STJ, quanto do STF,
ainda que em sede de procedimento especial do Tribunal do Júri, cuja decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, haver a impossibilidade de pronunciar o réu apenas com os elementos informativos colhidos no inquérito policial
ou outras peças informativas. Adotar um entendimento contrário implicaria considerar suficiente a existência de prova inquisitorial
para submeter o réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse, em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente. Em outras palavras, significaria inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior
juridicidade a um procedimento em regra, sigiloso, realizado sem observância do devido processo legal, de carater inquisitorial,
completamente avesso ao sistema acusatório, de assento constitucional e, agora, expressamente previsto no Código de Processo Penal (art.3º-A). Nesse sentido, à guisa de exemplo, colho recentes acórdãos do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART. 155 DO CPP. PRONÚNCIA FUNDADA EM ELEMENTOS EXCLUSIVAMENTE EXTRAJUDICIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. 1.Força argumentativa das convicções
dos magistrados. Provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa. No Estado Democrático de Direito, o mínimo flerte com
decisões despóticas não é tolerado e a liberdade do cidadão só pode ser restringida após a superação do princípio da presunção
de inocência, medida que se dá por meio de procedimento realizado sob o crivo do devido processo legal. 2. Art. 155 do CPP.
Prova produzida extrajudicialmente. Elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades
públicas e limitador do arbítrio estatal. 3. Art. 483, III, do CPP. Sistema da íntima convicção dos jurados. Sob o pálio de se dar
máxima efetividade ao referido princípio, não se pode desprezar a prova judicial colhida na fase processual do sumário do Tribunal do Júri. 3.1. O juízo discricionário do Conselho de Sentença, uma das últimas etapas do referido procedimento, não apequena ou desmerece os elementos probatórios produzidos em âmbito processual, muito menos os equipara a prova inquisitorial. 3.2.
Assentir com entendimento contrário implica considerar suficiente a existência de prova inquisitorial para submeter o réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse, em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente. Ou seja,
significa inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios
democráticos e por garantias fundamentais. 3.3. Opção legislativa. Procedimento escalonado. Diante da possibilidade da perda
de um dos bens mais caros ao cidadão - a liberdade -, o Código de Processo Penal submeteu o início dos trabalhos do Tribunal
do Júri a uma cognição judicial antecedente. Perfunctória, é verdade, mas munida de estrutura mínima a proteger o cidadão do
arbítrio e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação da sanha popular por vingança cega, desproporcional e injusta. 4. Impossibilidade de se admitir a pronúncia de acusado com base em indícios derivados do inquérito policial. Precedentes.
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1740921/GO, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
06/11/2018, DJe 19/11/2018) O STF já decidiu no mesmo sentido: “O sistema jurídico-constitucional brasileiro não admite nem
tolera a possibilidade de prolação de decisão de pronúncia com apoio exclusivo em elementos de informação produzidos, única
e unilateralmente, na fase de inquérito policial ou de procedimento de investigação criminal instaurado pelo Ministério Público,
sob pena de frontal violação aos postulados fundamentais que asseguram a qualquer acusado o direito ao contraditório e à plenitude de defesa. Doutrina. Precedentes. Os subsídios ministrados pelos procedimentos inquisitivos estatais não bastam, enquanto isoladamente considerados, para legitimar a decisão de pronúncia e a consequente submissão do acusado ao Plenário
do Tribunal do Júri. O processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes. (HC 180.144/GO, j. 10/10/2020). Ora, o art. 413 do CPP é peremptório ao explicitar que
o juiz pronunciará o acusado se convencido da materialidade do fato e da existência de indicíos suficientes de autoria ou participação. Na hipótese dos autos, a instrução probatória restringiu-se em apenas colher os interrogatórios dos réus, havendo uma
mudança na versão dos fatos apresentado pelo próprio Ministério Público a respeito de um telefonema que manteve com a vítima
e afastou os indícios de autoria em relação ao acusado John Leno, abvolvido sumariamente. Se não há provas acerca da materialidade, haja vista ausência de produção de prova oral em contraditório judicial, também não havendo possibilidade de certeza
quanto a presença de indícios suficientes de autoria, haja visto o já equívoco inicial ocorrido na investigação ao se imputar a
responsabilidade ao acusado John Leno, a decisão de impronúncia é medida que se impõe. De mais a mais, observa-se que o
Ministério Público não se desincumbiu do ônus de apresentar indícios de prova para pronúncia dos réus. Não foi realizada qualquer diligência na busca de testemunhas, inclusão em sistema de proteção à testemunha ou da própria vítima, nem diligências
para localizar testemunhas presentes quando do fato ou quebra de sigilo telefônico. Assim, tal lastro probatório resta insuficiente
para ensejar a pronúncia dos acusados, haja vista a inexistência de outras circunstâncias que servissem de substrato. Como bem
ressaltou a defesa, a imputação feita aos acusados, reside somente nas declarações da vítima, prestadas em sede policial, sendo que esta tomou conhecimento por meio de terceiros, que a razão para tal tentativa de homicídio era o fato de os mesmos
acreditarem que a vítima possuía envolvimento com um rival na disputa pelo tráfico de drogas na região. Tais fatos são imprecisos, já que não foi ouvida nenhuma outra testemunha em qualquer momento da instrução processual. A motivação do crime
decorreu de “ouvir dizer” da vítima. Cumpre destacar a veemente negativa da prática dos fatos pelos réus, em juízo. A exclusiva
declaração prestada pela vítima, em sede de inquérito policial, não foi suficiente para demonstrar a prova da materialidade e os
indícios mínimos de autoria. Pois bem, não houve, efetivamente, a produção de provas durante a instrução. Vale salientar que
não cabe a absolvição sumária in casu, haja vista que inexiste prova cabal da inocência dos réus. Ao contrário, faltaram elementos de prova importantes, tais como: laudo de exame de corpo de delito e depoimento da vítima em juízo. Caso sejam localizadas
novas testemunhas, o feito poderá dar seguimento. 3- DISPOSITIVO Ante o exposto, acolho a manifestação dos réus e IMPRONUNCIO LUIS HENRIQUE SOUSA DOS SANTOS (1º réu) e BRUNO SANTOS AMARAL (4º réu), da imputação feita na peça
acusatória, por não restar comprovada a materialidade do fato, bem como falta de indícios suficientes de autoria ou participação
delitiva, nos termos do art. 414 do CPP. Procedam-se às intimações necessárias, nos termos do art. 420, do CPP. Decorrido o
prazo recursal, arquivem-se os autos e apensos, com as cautelas de praxe, ressalvando-se que poderá ser formulada nova denúncia, até a extinção da punibilidade, caso surjam novas provas (art. 414, § único). PRI. Cópia desta decisão servirá como
mandado de intimação. Valença(BA), 11 de abril de 2022. Reinaldo Peixoto Marinho Juiz de Direito Cloves Leandro Nascimento
Escrevente Judiciário