Edição nº 76/2018
Brasília - DF, disponibilização quarta-feira, 25 de abril de 2018
projeto a ser apresentado ao BNDES, de modo que não se vislumbra, no caso em exame, nem hipossuficiência econômica, nem hipossuficiência
técnica do réu, que acompanhou de perto e participou de todas as etapas relativas à elaboração do projeto inicial pela autora. Assim, o caso
não é regido pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, de modo que não se aplica o art. 49 do CDC, que autoriza o consumidor a
desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Não está presente a
vulnerabilidade na contratação que justifique a aplicação desse dispositivo legal. De qualquer sorte, ainda que afastada a aplicabilidade do art.
49 do CDC, há que se analisar se a desistência manifestada pelo réu no e-mail acima referido teria o condão de desobrigá-lo a pagar a primeira
parcela ajustada no contrato. Nesse passo, verifica-se que o contrato, coligido em ID Num. 6683770 - Pág. 1/5, foi assinado apenas no dia 03 de
setembro de 2014, e o requerido manifestou arrependimento no dia seguinte, por intermédio do e-mail de ID Num. 6683407 - Pág. 8. Contudo, os
serviços, cujos valores estão sendo cobrados na presente ação, expressamente previstos na cláusula quarta da referida avença, foram prestados
anteriormente à assinatura do ajuste, de modo que a tese do réu de que teria desistido da contratação em tempo hábil a afastar as suas obrigações
não procede, mesmo à luz do Código Civil. O caso dos autos envolve um contrato bilateral e oneroso que, malgrado tenha sido formalizado por
escrito apenas em 03 de setembro de 2014, já vinha sendo executado parcialmente e de maneira informal desde o início de agosto do mesmo
ano, consoante narrativa da autora em sua petição inicial, a qual se encontra em perfeita consonância com o teor dos e-mails colacionados, em
ID Num. 6683642 - Pág. 1/18, os quais comprovam que, durante as tratativas ocorridas entre os litigantes, houve efetiva prestação de serviço
pela demandante. Com efeito, dentre os e-mails mencionados, que não foram impugnados por qualquer das partes, há que se destacar que em
6 de agosto de 2014 a autora encaminhou ao réu uma lista de documentos que deveriam ser fornecidos pelo réu para análise e preparação da
apresentação para o BNDES (ID Num. 6683642 - Pág. 7); em 14 de agosto de 2014 a autora reiterou a necessidade de encaminhamento de
informações mercadológicas contidas na referida lista (ID Num. 6683642 - Pág. 6); em 19 de agosto de 2014 a representante do réu encaminhou
à autora fotos do imóvel onde seria construído o aeroporto e o prédio Aerovale (ID Num. 6683642 - Pág. 6), bem como informações sobre a
metragem do imóvel e sobre o objeto do empreendimento a ser financiado (ID Num. 6683642 - Pág. 5); e, 20 de agosto de 2014 as partes trocaram
e-mails para esclarecer quais seriam as receitas previstas no projeto (ID Num. 6683642 - Pág. 3); a partir de 29 de agosto de 2014 as partes
trocaram e-mails para agendar a vinda de representantes do réu a Brasília para a primeira reunião no BNDES (ID Num. 6683642 - Pág. 2 e Num.
6683612 - Pág. 19); em 1 de setembro de 2014 a autora continuou pedindo ao réu informações para concluir a apresentação a ser feita para o
BNDES (ID Num. 6683612 - Pág. 14); em 2 de setembro de 2014 o réu respondeu esse e-mail, encaminhando as informações (ID Num. 6683612
- Pág. 13). Diante dessa prova, tenho que o autor se desincumbiu de seu ônus probatório, na medida em que provou o fato constitutivo de seu
direito, consistente na prestação do serviço constante na primeira etapa do contrato, já que juntou aos autos o contrato celebrado e exaustiva
relação de e-mails que evidenciam que os serviços da demandante vinham sendo prestados, de maneira gradativa e cronológica, desde o dia
06/08/2014. Ressalto que os serviços estão enumerados e especificados na cláusula quarta da avença, coligida em ID Num. 6683770 - Pág. 1/4.
De acordo com essa cláusula contratual, a primeira etapa dos serviços, a serem remunerados com a quantia de R$70.000,00, que é o que a
autora pretende receber nesta ação, abrangia: ?enquadramento do financiamento em uma linha do BNDES, com posicionamento dos técnicos
do banco, obtido através de reunião; análise de documentos das empresas do grupo e dos respectivos sócios que servirão como pré-requisitos
para operação do financiamento; elaboração de um resumo financeiro da operação, envolvendo a apresentação de um estudo econômico do
negócio, designação do recurso, demanda, expectativas de resultados, resumo das garantias e simulação do financiamento através de ferramenta
técnica para balizamento do negócio; apresentação do resumo técnico-financeiro para o BNDES, sobre o pleito a ser requerido junto àquele
banco; resumo da reunião junto ao BNDES para fins de divulgação e alinhamento das premissas a serem tratados na operação?. Observa-se
das provas coligidas aos autos, consubstanciadas em e-mails e contrato, que a autora forneceu esses serviços, pois elaborou o primeiro projeto
a ser levado à reunião com o banco BNDES, que efetivamente ocorreu, e que, no dizer das partes, foi frutífera. Vale dizer, o requerido utilizou da
expertise da requerente para tentar o financiamento de seu projeto aeroportuário, financiamento que não teria sido possível sem a intermediação
da demandante, que oportunizou não só a aludida reunião, como prestou seus serviços de consultoria financeira especializada àquela (ID Num.
6683612 - Pág. 1/14). Nota-se que os trabalhos desenvolvidos e relatados nos e-mails, com o aval do requerido (ID Num. 6683642 - Pág. 3 e
ID Num. 6683642 - Pág. 15), estão em nítida consentaneidade com o disposto na cláusula quarta do aludido contrato de prestação de serviços,
acima transcrito. Tais serviços eram pressupostos para a obtenção de posicionamento favorável do BNDES a respeito do financiamento, e como
prevê o contrato, cláusula quarta, deveriam ser pagos no prazo de 48 horas após a primeira reunião com o BNDES, a revelar que se tratava
de serviços já prestados. Assim, com arrimo no Princípio do Livre Convencimento Motivado, expressamente positivado no art. 371 do NCPC,
vislumbro serem deveras verossímeis as alegações fáticas formuladas pela parte autora, pois guardam congruência e compatibilidade com o
conteúdo que está previsto no contrato e também aos e-mails coletados. Por oportuno, cumpre frisar que o presente contrato de prestação de
serviços é classificado como consensual quanto ao momento de aperfeiçoamento, pois se consuma com a simples manifestação de vontade
das partes envolvidas. Ademais, quanto ao momento de seu cumprimento, afigura-se nítido o seu caráter de execução continuada ou de trato
sucessivo, porquanto tem o cumprimento previsto de forma periódica e sucessiva, subdividida em etapas ou fases, descritas no ajuste firmado de
ID Num. 6683770 - Pág. 1/4. Por fim, cuida-se de contrato informal ou não solene, não sendo exigida sequer forma escrita para sua formalização.
Por essa razão, o ajuste iniciou-se de maneira informal e verbal, havendo a prestação da primeira parte do serviço, para logo em seguida
haver a formalização do ajuste em documento escrito, e a descrição das fases subseqüentes da avença. Nessa esteira, tem-se que as provas
documentais colacionadas pela autora são razoáveis, críveis e persuasivas, ao passo que o réu limitou-se a negar o serviço prestado, revelando
sua notória insuficiência probatória quanto a fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito da autora. Assim, importante repisar que não
basta alegar fatos, deve-se prová-los. A única prova documental trazida pelo requerido foi a decisão prolatada pelo Juízo da 5ª Vara Cível da
Comarca de São José dos Campos- SP, a qual testifica a situação empresarial de recuperação judicial do requerido, e que em nada afeta ou
contribui para o julgamento dessa espécie de demanda cognitiva. Outrossim, cabe salientar, ainda, no tocante ao direito de rescisão unilateral
do contrato, no dia seguinte ao da sua celebração, que a questão deve ser avaliada em função da incidência dos deveres anexos de lealdade,
probidade dos contratantes e do conceito da boa-fé objetiva, sob a faceta do brocardo latino ?venire contra factum proprium?. Desta toada, não
pode o réu alegar o direito à rescisão unilateral e imediata do contrato para se eximir da obrigação de pagar, sendo que parcela dos serviços do
contrato já foi prestada anteriormente e a contento pela parte adversa, obtendo-se, inclusive, sua própria aprovação e satisfação com o trabalho
desempenhado (consoante teor de e-mail colacionado em ID Num. 6683407 - Pág. 3), sob pena de exercer um comportamento contraditório,
violando o dever ínsito e fundamental a todos os contratos de natureza civil, qual seja, a boa-fé objetiva, em sua faceta ?venire contra factum
proprium?. Ademais, despicienda a afirmação de que a reunião com o BNDES ocorrera depois da assinatura formal do contrato. O que importa
é saber se ocorreu a prestação de serviço pela parte autora, e que, havendo resposta positiva, deve o serviço ser remunerado, ou seja, deverá
haver uma contraprestação pelo réu, sob pena de este locupletar-se. Da mesma maneira, reputo irrelevante o argumento de suspeita de que as
pessoas que se apresentaram como sendo do BNDES não pertenceriam ao referido Banco, pois tudo leva a crer que não houve ilegalidade ou
falsidade, afinal, a reunião foi realizada, inclusive, no prédio do próprio banco. Além disso, os e-mails trocados entre os litigantes confirmam a
satisfação e confiabilidade no trabalho desempenhado pela requerente, que realmente cumpriu sua parte do contrato, e que efetivamente ocorreu
a reunião na sede do BNDES (ID Num. 6683407 - Pág. 3/5). Por derradeiro, quanto à tese de que a validade do contrato celebrado entre os
litigantes ficou sob a condição de aprovação do financiamento pelo BNDES, e que, nessa esteira, não haveria qualquer obrigação de pagamento
por parte do requerido, sem que a referida condicionante se cumprisse, reputo ser descabida, ante o insculpido na cláusula 1ª da avença, que
expressamente estatui que ?o contrato só terá validade caso o BNDES aprove, mesmo que informalmente, o enquadramento do referido projeto,
através de reunião a ser marcada, envolvendo as equipes de consultoria e de técnicos do banco?, fato que, repise-se, realmente ocorreu e restou
incontroverso nos autos, diante não só da ausência de impugnação da parte ré nesse sentido, como de sua própria confirmação de que a reunião
ocorreu. Registre-se, ainda, que a referida condicionante, incluída na cláusula primeira do contrato, revela a boa-fé da autora, que concordou em
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