Disponibilização: Quinta-feira, 12 de Abril de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano V - Edição 1162
1580
Ltda Juiz(a) de Direito: Dr(a). Alexandre David Malfatti Vistos. Constou da petição inicial, em resumo, que, no final do ano de
2010 (entre 10.12.2010 e 17.2.2011), a empresa ré promoveu uma campanha publicitária denominada “DESFILE SEUS
CABELOS NA SAPUCAÍ”. Os ganhadores seriam contemplados com um pacote turístico para a cidade do Rio de Janeiro, com
direito a 01 acompanhante, durante 04 dias e 03 noites, incluindo 02 ingressos (com direito a fantasias) para desfile na ala de
mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelo na Escola de Samba Unidos de Vila Isabel. Porém, mesmo sorteada, a autora
não recebeu o prêmio. Diante de um problema na coluna e que exigia sua participação no desfile com cadeira de rodas, a
empresa ré colocou vários obstáculos e terminou por não permitir que ela pudesse usufruir do prêmio. Apesar de negociações e
de reclamação no PROCON, a ré não cumpriu a oferta publicitária. Ao final, invocando o Código de Defesa do Consumidor, a
autora deduziu os seguintes pedidos de indenização: a) pelos danos materiais equivalentes ao cumprimento da oferta publicitária
(valor correspondente ao prêmio) e b) pelos danos morais. A ré apresentou contestação (fls. 40/55). Em breve resumo, afirmou
o seguinte: (i) havia adotado todas as providências para a autora usufruir do prêmio, (ii) ao decidir não viajar no carnaval, a
autora perdeu o direito a receber os 02 ingressos para participar e desfilar pela escola de samba, (iii) ao não observar o prazo
de 180 dias para usufruir do prêmio, a autora perdeu o direito a realizar a viagem. Esclareceu que foi a própria Escola de Samba
quem não autorizou a participação da autora no desfile com uma cadeira de rodas, não só pelo risco à segurança (o setor de
concentração era apertado), mas também pela falta de tempo para o treinamento de pessoas. E a ré ofereceu a oportunidade de
a autora assistir o desfile do camarote, o que não foi aceito. E, depois, a autora não agendou sua viagem para o Rio de Janeiro,
perdendo o direito ao prêmio. A quantia correspondente a R$ 11.000,00 foi recolhida ao Tesouro Nacional. Por último, a ré
combateu o pedido de indenização por perdas e danos. Houve réplica (fls. 89/92). É O BREVE RELATO. FUNDAMENTO E
DECIDO. O processo comporta imediato julgamento, dispensando-se a produção de outras provas, nos termos do artigo 330,
inciso I do Código de Processo Civil. Importante salientar, desde logo, que as partes travaram relação de consumo, tornando-se
aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da própria Constituição Federal. Ao ser contemplada
com prêmio objeto de campanha publicitária promovida pela empresa ré, a autora foi equiparada à condição de consumidora, na
forma do artigo 29 do CDC. 1. PROMOÇÃO PUBLICITÁRIA VEICULADA PELA RÉ E SEU ALCANCE. CONSUMIDORES
PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E O DESFILE NA SAPUCAÍ. Resultam dos autos, como fatos incontroversos e
que interessam ao deslinde do feito: A) a empresa ré promoveu uma campanha publicitária denominada “PROMOÇÃO DESFILE
SEUS CABELOS NA SAPUCAÍ”, B) a autora foi uma das consumidoras vencedoras do concurso, C) a empresa ré não viabilizou
a participação da autora no desfile por negativa da própria escola de samba em admitir a utilização de cadeira de rodas. Entendo
que, inicialmente, devem ser considerados alguns pontos relevantes sobre o alcance da campanha publicitária promovida pela
ré. Primeiro, dentro de uma estratégia de marketing que visava, por óbvio, alavancar vendas e fixar a marca, a promoção
veiculada em ampla campanha publicitária dava o destaca para o DESFILE NA SAPUCAÍ. Ou seja, era intenção da campanha
chamar a atenção do público consumidor - exposto à publicidade - que o ganhador teria direito a participar do desfile em uma
Escola de Samba, no Rio de Janeiro, mais especificamente na famosa Sapucaí. E segundo, não se teve - nem poderia - qualquer
restrição à participação de consumidores portadores de necessidades especiais. Uma campanha voltada para “desfile de
cabelos” buscava, insista-se, destacar a vantagem de aquisição de produtos da marca “PROCTER GAMBLE” (“PG”), notadamente
voltados para o tratamento de cabelos. E, naquele público, não havia razão para discriminação de portadores de necessidades
especiais, até porque a quase totalidade das pessoas utiliza-se de produtos colocados no mercado de consumo para o tratamento
de cabelos. Em outras palavras, não havia razão para discriminação do público portador de necessidade especiais na
participação da campanha, porque também foi atingido pela oferta publicitária. Nem se diga que haveria problemas de segurança
para o desfile. Na campanha publicitária, não se criou nenhuma advertência ou alerta para tal ponto. No regulamento da
promoção (fls. 61/67), nada foi dito sobre tal ponto. E tanto poderia haver participação de pessoas em cadeiras de rodas que,
numa rápida pesquisa pela Internet, é possível verificar que pessoas portadoras de necessidades especiais freqüentam os
desfiles da Escola de Samba da Sapucaí. A respeito, confira-se matéria veiculada pela Revista Veja (14.2.2012, “veja.abril.com.
br/noticia/internacional/paraolimpicos-invadem-carnaval-rio-com-samba-inclusivo”, consulta nesta data), destacando-se a
seguinte passagem da reportagem: “Em um barracão do centro da cidade, a escola ‘Embaixadores da Alegria’ se prepara, como
qualquer outra participante do carnaval, para mostrar na Avenida Marquês de Sapucaí que os problemas físicos não são uma
limitação e dar, com isso, um lição de esforço e de solidariedade.” E a participação já era vista em 2011, época da promoção, na
Escola Embaixadores da Alegria, conforme reportagem da “R7.com” (12.3.2011, “notícias.r7.Com/carnaval-2011/ultimasnoticiais/rio-de-janeiro/escola-embaixadores-da-alegria-abre-desfile-das-campeas-na-sapucai-20110312.htm”, consulta nesta
data), destacando-se: “A escola Embaixadores da Alegria, onde desfilam portadores de necessidades especiais, abriu o desfile
das escolas de samba campeãs do grupo especial neste sábado (12), na Marquês de Sapucaí, no centro do Rio de Janeiro.” E
não se trata da existência de apenas de uma “escola de samba” voltada aos portadores de necessidades especiais. Pode-se
consultar uma reportagem específica, em que se noticiou que pessoas portadoras de necessidades especiais também desfilaram
em outras escolas - Portela e Salgueiro. Na reportagem “Apaixonados por samba superam desafios para desfilar na Sapucaí”
veiculada pela G1 (21.2.2012 “g1.Globo.Com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/apaixonados-por-samba-superamdesafios-para-desfilar-na-sapucai-html”, consulta nesta data), destacando-se os seguintes depoimentos: “Maria das Graças,
assim como outros cadeirantes, conta sempre com o apoio de um acompanhante para desfilar. “Comecei com amigos da
associação. Só queria assistir, nunca tive a pretensão de desfilar”, revela. “Rose teve paralisia infantil e faz questão de destacar
o papel da Portela no apoio aos integrantes da ala dedicada aos deficientes físicos. “Eles dão a fantasia, relevam se não
pudermos ir sempre aos ensaios. A gente se torna uma família”, conta. “Ela descreve, emocionada, a sensação de passar pela
Marquês de Sapucaí: “Você se sente livre. Tem a águia e é como se a gente tivesse asas também. Naquele momento, todos
estão com a mesma sensação de prazer”. “E tem gente que vai além pela alegria de brilhar na avenida. Helder Campos, de 56
anos, sai de São Paulo, há dez anos para defender a bandeira do Salgueiro, no Rio. “Ele diz que há duas razões para encarar o
desafio, mesmo após ter o movimento das pernas comprometido após sofrer um acidente. “É para mostrar para todo mundo que
podemos ultrapassar as barreiras. É para que as pessoas saibam que somos felizes, para não nos tratarem com pena”. (negrito
e grifo nossos). Ora, diante do quadro apresentado, não se pode aceitar a posição assumida pela empresa ré. Falhou na
organização da promoção publicitária. Preocupou-se em apenas vender produtos, numa agressiva estratégia de marketing, ao
provocar o desejo dos consumidores de produtos para cabelo (notadamente mulheres) com um dos principais símbolos da
cultura brasileira: o carnaval no Rio de Janeiro e o desfile na Sapucaí. Mas a organização deixou de lado as peculiaridades de
uma parte dos consumidores, portadores de necessidades especiais, ao não programar condutas específicas - adaptação
apenas - para a participação deles no desfile. Repito: nada havia de estranho na participação da autora no desfile da Sapucaí,
mesmo que fazendo uso de uma cadeira de rodas pela situação de saúde (problemas na coluna). Sua necessidade especial não
era capaz de justificar a exclusão da promoção. Falhou na própria estratégia de marketing, ao não tirar “proveito” do episódio.
Tivesse mais competência na área publicitária, o fato de a autora ter necessidade de desfilar numa cadeira de rodas seria
motivo de orgulho, expondo-se e valorizando-se uma visão social da empresa e do seu comprometimento com a inclusão de
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