TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.265 - Disponibilização: segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
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pelo qual lhe foi recomendado a realização de consulta com fonoaudiólogo, psicólogo e terapeuta ocupacional, a fim de mitigar
algumas das dificuldades inerentes ao espectro do autismo. Ato contínuo, em mais uma consulta, dessa vez realizada junto à
Dra.Emanuelle Vasconcelos (CRM – 23.756), assentou-se em definitivo o diagnóstico de Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA) Nível 3 (CID F84.0), e mais uma vez se recomendou que a criança realizasse tratamento multidisciplinar de forma sistêmica e ininterrupta com psicólogo, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo. Salienta-se que, conforme consta em relatório médico a
realização deste tratamento é medida de urgência, pois as possibilidades prognósticas vão diminuindo conforme o crescimento
da criança. Dessa forma, para que as dificuldades lhe sejam reduzidas e suas habilidades potencializadas, mister se faz que o
tratamento se inicie o mais breve possível.
As consultas somam o montante de R$ 720,00. A genitora resolveu procurar o SUS ante a ausência de recursos para custear o
tratamento, quando passou a vivenciar verdadeira peregrinação junto aos Postos de Saúde Municipais, Central de Regulação do
SUS, CAPS infantil, CRAS, NAI, tudo com escopo de conseguir o acompanhamento necessário. Contudo, apesar de seu esforço,
nunca conseguiu o devido atendimento. Diante da negligência e embaraços administrativos que lhe foram interpostos, a Representante do menor buscou à Defensoria Pública, com fito a fazer valer o direito fundamental à saúde do seu filho.
A inicial veio acompanhada de documentos.
Determinada a intimação do Município para se manifestar sobre o pedido liminar, quando então suscitou as dificuldades do sistema de saúde diante da pandemia, o que implica em situação de força maior e que possui apenas um fonoaudiólogo na rede.
O MP declinou para momento posterior à contestação a oportunidade de falar nos autos.
Contestação ofertada nos autos alegando em preliminar de ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE ILHÉUS. No mérito
suscitou a SEPARAÇÃO DOS PODERES, RESPEITO ÀS REGRAS DE DIVISÃO DE COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA, PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL e IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Ao final, requereu sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pelo autor, condenando-o ao
pagamento das custas e dos honorários advocatícios
Posteriormente o Ministério Público manifestou-se pelo deferimento dos pedidos formulados na inicial.
Instada, a Defensoria em vez de ofertar de logo as alegações finais, requereu prazo para réplica.
Em réplica requereu o não acolhimento dos argumentos contidos na contestação apresentada pela parte ré e o prosseguimento
do feito, com o julgamento integralmente procedente dos pedidos formulados na Exordial.
Antecipação da tutela concedida determinado que o Acionado forneça CONSULTAS JUNTO A PSICÓLOGO, FONOAUDIÓLOGO E TERAPEUTA OCUPACIONAL, ALÉM DE TODO ACOMPANHAMENTO POSTERIOR QUE SE FIZER NECESSÁRIO,
conforme prescrições médicas; Considerando o momento pandêmico do Coronavírus que recrudeceu em todo o estado da Bahia
e o país, bem como as informações prestadas pelo município da dificuldade de contratação, os atendimentos devem ser iniciados
pelo Município de Ilhéus no prazo máximo de 04 (quatro) meses, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 1.000,00 ( mil reais), até o limite de R$30.000,00 (Trinta mil reais) a ser revertida para o Fundo da Criança e do Adolescente, em caso de descumprimento, aliado à possibilidade de atendimento na rede privada, com o bloqueio dos valores correspondentes aos atendimentos.
Município informou que agravou da decisão, tendo o tribunal de Justiça negado provimento.
Em alegações finais Defensoria Pública do Estado da Bahia requereu sejam afastadas todas as preliminares e demais argumentos expostos pelo requerido e que, ao final, seja confirmada a tutela de urgência deferida liminarmente e julgados integralmente
procedentes os pedidos formulados na petição inicial
Ministério Publico reiterou as alegações apresentadas.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, passo a analisar a preliminar arguida pela Defesa, qual seja a ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO DE
ILHÉUS.
No Brasil, a competência para legislar sobre “proteção e defesa da saúde” é concorrente, da União, dos Estados e do Distrito
Federal (Constituição Federal, art. 24, XII) e dos Municípios (Constituição Federal, art. 30, II). Isso significa que cabe à União
apenas o estabelecimento de normas gerais sobre o assunto (art. 24, parág.1o). Os Estados, que formam a República Federativa
do Brasil (art.1o), são competentes para suplementar a legislação posta pela União que, não é demais acentuar, limitar-se-á a
estabelecer normas gerais (art. 24, parág. 1o e 2o). Esse parece ser, aliás, o principal papel reservado aos Estados na estrutura
constitucional da saúde no Brasil. E, finalmente, cabe aos Municípios, entidades que formam juntamente com os Estados, no
dizer do texto constitucional, a República Federativa do Brasil (art.1o), legislar sobre todos os assuntos de interesse local (art.
30, I).
Para fazer da saúde um direito social de todos, cuidando, protegendo, defendendo e atendendo-a, a Constituição reconheceu a
relevância pública das ações e serviços de saúde (art. 197), definindo um sistema único (art. 198) cujas atribuições enumeradas
são:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e água para consumo
humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos,
tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 200).